ESTAMOS SÓS OU ISOLADOS?
Conversando
com uma amiga que me relatava sua preocupação com uma pessoa querida que
passava pela difícil experiência de “viver a morte” de seu pai, eu sentia em
sua fala a solidão na qual esta pessoa se encontrava. Ela estava vivendo a
angústia da perda, que por si só já nos coloca num estado de solidão, sendo
potencializada agora pelo isolamento social imposto pela pandemia pelo novo
coronavírus.
A
atual condição de convivência humana, que instituiu o isolamento social e o
contato online como modos seguros de interação, me fez lembrar da frase que eu
havia escutado alguns dias atrás em um programa de TV: estamos em isolamento
sim, em solidão, não! O que me levou fazer a seguinte indagação: estamos
realmente apenas isolados ou estamos sós?
A solidão faz parte da condição
humana, todos nós já vivemos ou viveremos o sentimento de solidão em algum
momento de nossas vidas. Nos últimos meses fomos convidados a experienciar a
realidade da pandemia deflagrada pela Covid-19 e em meio a tantas mudanças, que
exigiram adaptações imediatas para preservar a vida, o afastamento social e a
permanência das pessoas em suas casas limitou e transformou o convívio
social. Esta reflexão mantém em mim a indagação, estamos isolados ou
solitários?
O fenômeno solidão, como não poderia deixar de ser, é estudado no
âmbito da Psicologia. O psicólogo Franz Victor Rúdio em seu livro Compreensão
Humana e Ajuda ao Outro (1991), faz algumas considerações sobre o significado da
solidão humana, entendendo-a no sentido amplo e no estrito. No sentido amplo
ela equivale ao isolamento onde a pessoa se encontra separada de outras pessoas,
nessa condição há o rompimento ou a diminuição do contato, com comprometimento
do relacionamento pessoal e social. Rúdio (1991) explica que o essencial a ser observado no isolamento é a repercussão que causa na pessoa que o vivencia, pois ao se perceber isolada ela pode ser acometida do sentimento de estar só. No entanto, a percepção de estarmos isolados e nos sentirmos sós, despertando a necessidade de nos relacionarmos, varia de uma pessoa para outra.
Em alguns momentos da vida podemos buscar o isolamento para refletir, estudar, meditar, fazer tarefas, curtir
alegrias, tristezas, para fugir de um ambiente ou de algo que consideramos
aversivo ou hostil e ainda por motivos de doença, em “situações extraordinárias
que se opõem à vontade do homem”, como no caso da pandemia pelo novo
coronavírus.
Durante esses dias de quarentena ouvi relatos
de algumas pessoas acerca da necessidade do isolamento social e a urgência de todos permanecerem em casa como meio de preservação da vida. Algumas pessoas mostraram satisfação
em ficar em casa, mergulharam em seus projetos de trabalho, otimizaram o tempo
do isolamento e não sentiram solidão, outras sentiram-se sós mesmo estando em
família e muitas vezes foram acometidas pela ansiedade, fruto da indefinição e do não saber a respeito do controle de contaminação da
doença, do tratamento adequado e da criação de vacina, bem como os impactos econômicos e sociais decorridos, interrompendo projetos,
frustrando expectativas, afetando a autoestima, colocando a pessoa num estado
de desamparo e de solidão, que é referida por Rúdio como solidão no sentido
estrito.
A solidão no sentido estrito não depende necessariamente
do relacionamento com outras pessoas para mitigá-la, ela está relacionada à
experiência interior de abandono; pode-se estar numa multidão e mesmo assim sentir-se
só. Sendo assim, haverá situações em que nos encontraremos isolados sem
estarmos solitários, ou em outros momentos que estaremos solitários sem
estarmos isolados. Para Rúdio (1991), “o sentir-se sozinho do isolamento e o sentir-se
só da solidão podem estar juntos e confundirem-se na mesma pessoa”, portanto, o
sentimento de solidão está relacionado à subjetividade de quem o vivencia e do
momento que vive a experiência de estar só. Este autor ainda esclarece que “o
sentir-se sozinho do isolamento é um dado objetivo”, passível de ser percebido
pelo outro e o “sentir-se sozinho da solidão é um estado da alma” que só pode
ser percebido pelo outro quando expressado pela pessoa que se sente só.
Portanto, a percepção de estar sozinho e o sentimento de abandono, levando ao sentimento de desamparo, bem como a necessidade de ter alguém próximo, são fatores que também desencadeiam o
medo de ficar entregue a si mesmo e constituem os elementos que despertam o sentimento de solidão. Nesse sentido, Rúdio (1991) aponta três recursos para superar a solidão:
- Aproveitamento
útil do tempo ocioso;
- Ter
ou descobrir um trabalho, um projeto, ou um ideal;
- Buscar
o encontro com outras pessoas.
Para cuidarmos de nós
mesmos nesses tempos de afastamento social e de isolamento, é imperioso que nos
percebamos como seres integrais constituídos de corpo biológico, de uma psiquê,
a nossa dimensão psicológica e de uma dimensão espiritual, onde encontraremos caminhos para superar a solidão e vivermos o melhor deste isolamento social.
Na próxima postagem escreverei a respeito dos recursos para superar a solidão apontados por Rúdio (1991) e a visão de ser humano integral (biológico, psicológico e espiritual).
RÚDIO, F. V. O Significado da Solidão Humana, In: Compreensão Humana e Ajuda ao Outro. Vozes: Petrópolis, 1991