domingo, 12 de julho de 2020





ESTAMOS SÓS OU ISOLADOS?








Conversando com uma amiga que me relatava sua preocupação com uma pessoa querida que passava pela difícil experiência de “viver a morte” de seu pai, eu sentia em sua fala a solidão na qual esta pessoa se encontrava. Ela estava vivendo a angústia da perda, que por si só já nos coloca num estado de solidão, sendo potencializada agora pelo isolamento social imposto pela pandemia pelo novo coronavírus.

A atual condição de convivência humana, que instituiu o isolamento social e o contato online como modos seguros de interação, me fez lembrar da frase que eu havia escutado alguns dias atrás em um programa de TV: estamos em isolamento sim, em solidão, não! O que me levou fazer a seguinte indagação: estamos realmente apenas isolados ou estamos sós?


A solidão faz parte da condição humana, todos nós já vivemos ou viveremos o sentimento de solidão em algum momento de nossas vidas. Nos últimos meses fomos convidados a experienciar a realidade da pandemia deflagrada pela Covid-19 e em meio a tantas mudanças, que exigiram adaptações imediatas para preservar a vida, o afastamento social e a permanência das pessoas em suas casas limitou e transformou o convívio social. Esta reflexão mantém em mim a indagação, estamos isolados ou solitários?

O fenômeno solidão, como não poderia deixar de ser, é estudado no âmbito da Psicologia. O psicólogo Franz Victor Rúdio em seu livro Compreensão Humana e Ajuda ao Outro (1991), faz algumas considerações sobre o significado da solidão humana, entendendo-a no sentido amplo e no estrito. No sentido amplo ela equivale ao isolamento onde a pessoa se encontra separada de outras pessoas, nessa condição há o rompimento ou a diminuição do contato, com comprometimento do relacionamento pessoal e social. Rúdio (1991) explica que o essencial a ser observado no isolamento é a repercussão que causa na pessoa que o vivencia, pois ao se perceber isolada ela pode ser acometida do sentimento de estar só. No entanto, a percepção de estarmos isolados e nos sentirmos sós, despertando a necessidade de nos relacionarmos, varia de uma pessoa para outra.

Em alguns momentos da vida podemos buscar o isolamento para refletir, estudar, meditar, fazer tarefas, curtir alegrias, tristezas, para fugir de um ambiente ou de algo que consideramos aversivo ou hostil e ainda por motivos de doença, em “situações extraordinárias que se opõem à vontade do homem”, como no caso da pandemia pelo novo coronavírus. 

Durante esses dias de quarentena ouvi relatos de algumas pessoas acerca da necessidade do isolamento social e a urgência de todos permanecerem em casa como meio de preservação da vida. Algumas pessoas mostraram satisfação em ficar em casa, mergulharam em seus projetos de trabalho, otimizaram o tempo do isolamento e não sentiram solidão, outras sentiram-se sós mesmo estando em família e muitas vezes foram acometidas pela ansiedade, fruto da indefinição e do não saber a respeito do controle de contaminação da doença, do tratamento adequado e da criação de vacina, bem como os impactos econômicos e sociais decorridos, interrompendo projetos, frustrando expectativas, afetando a autoestima, colocando a pessoa num estado de desamparo e de solidão, que é referida por Rúdio como solidão no sentido estrito.

A solidão no sentido estrito não depende necessariamente do relacionamento com outras pessoas para mitigá-la, ela está relacionada à experiência interior de abandono; pode-se estar numa multidão e mesmo assim sentir-se só. Sendo assim, haverá situações em que nos encontraremos isolados sem estarmos solitários, ou em outros momentos que estaremos solitários sem estarmos isolados. Para Rúdio (1991), “o sentir-se sozinho do isolamento e o sentir-se só da solidão podem estar juntos e confundirem-se na mesma pessoa”, portanto, o sentimento de solidão está relacionado à subjetividade de quem o vivencia e do momento que vive a experiência de estar só. Este autor ainda esclarece que “o sentir-se sozinho do isolamento é um dado objetivo”, passível de ser percebido pelo outro e o “sentir-se sozinho da solidão é um estado da alma” que só pode ser percebido pelo outro quando expressado pela pessoa que se sente só. 

Portanto, a percepção de estar sozinho e o sentimento de abandono, levando ao sentimento de desamparo, bem como a necessidade de ter alguém próximo, são fatores que também desencadeiam o medo de ficar entregue a si mesmo e constituem os elementos que despertam o sentimento de solidão. Nesse sentido, Rúdio (1991) aponta três recursos para superar a solidão:
  • Aproveitamento útil do tempo ocioso; 
  • Ter ou descobrir um trabalho, um projeto, ou um ideal; 
  •  Buscar o encontro com outras pessoas. 
Para cuidarmos de nós mesmos nesses tempos de afastamento social e de isolamento, é imperioso que nos percebamos como seres integrais constituídos de corpo biológico, de uma psiquê, a nossa dimensão psicológica e de uma dimensão espiritual, onde encontraremos caminhos para superar a solidão e vivermos o melhor deste isolamento social.

Na próxima postagem escreverei a respeito dos recursos para superar a solidão apontados por Rúdio (1991) e a visão de ser humano integral (biológico, psicológico e espiritual).

RÚDIO, F. V. O Significado da Solidão Humana, In: Compreensão Humana e Ajuda ao Outro. Vozes: Petrópolis, 1991