quinta-feira, 22 de outubro de 2020

 

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ESTAMOS SÓS OU ISOLADOS? (Continuação)





No texto anterior foram elencados alguns recursos para superar a solidão neste momento "singular" que vivemos devido a pandemia desencadeada pelo novo corona vírus e que muitos consideram que já foi superada (será?). Trago novamente estes três recursos apontados por Rúdio (1991):

  • Aproveitamento útil do tempo ocioso; 
  • Ter ou descobrir um trabalho, um projeto, ou um ideal; 
  •  Buscar o encontro com outras pessoas.

O aproveitamento útil do tempo ocioso implica a pessoa se dedicar a uma tarefa, um projeto que tenha sentido para ela, que traga alegria e satisfação e não seja um meio para fuga da solidão. 

Sendo o homem livre para posicionar-se diante das contingências da vida, e a solidão é uma delas; com a atitude de manter o autodistanciamento (Frankl, 2015), como a palavra já diz,  é o movimento onde a pessoa escolhe distanciar-se de si mesma, das suas questões pessoais ou situações difíceis para dedicar-se a uma tarefa que beneficiará aos outros,  ela certamente trilhará o caminho para dar sentido a este momento da vida e perceber com mais clareza os seus processos pessoais. Como coloca o filósofo Kierkegaard "a porta da felicidade se abre para fora".

Ter ou descobrir um trabalho, um projeto, ou um ideal são caminhos preciosos para dar sentido à vida e superar a solidão, aproximando-se da visão de homem como ser integral, constituído de dimensão biológico, psicológica e de uma dimensão espiritual, que abarca o que há de realmente humano no homem e que o impele a buscar a autotranscendência (Frankl, 2015), quando a pessoa aponta o sentido da sua vida  para algo ou para alguém além dela mesma, que pode ser um serviço a uma causa ou o amor dedicado a uma pessoa, conseguindo assim realizar a si mesma e vencer a solidão.  

Buscar o encontro com outras pessoas. Esse encontro se dá no nível em que o outro seja capaz de acolher e de entender o que está acontecendo com a pessoa que o procura. Como bem coloca Rúdio (1991), para que haja esse encontro é necessário que não nos coloquemos numa ilha de isolamento, ou seja,  que busquemos a autenticidade nas relações e no aperfeiçoamento pessoal, resultando numa autoestima elevada, tornando-se “fonte generosa do sentimento de autorrealização e de produtividade para o mundo” (p.17).


FRANKL. V. E. O sofrimento de uma vida sem sentido:caminhos para encontrar a razão de viver. É Realizações Editora:São Paulo - SP, 2015

 DIO, F. V. O Significado da Solidão Humana, In: Compreensão Humana e Ajuda ao Outro. Vozes: Petrópolis, 1991


domingo, 12 de julho de 2020





ESTAMOS SÓS OU ISOLADOS?








Conversando com uma amiga que me relatava sua preocupação com uma pessoa querida que passava pela difícil experiência de “viver a morte” de seu pai, eu sentia em sua fala a solidão na qual esta pessoa se encontrava. Ela estava vivendo a angústia da perda, que por si só já nos coloca num estado de solidão, sendo potencializada agora pelo isolamento social imposto pela pandemia pelo novo coronavírus.

A atual condição de convivência humana, que instituiu o isolamento social e o contato online como modos seguros de interação, me fez lembrar da frase que eu havia escutado alguns dias atrás em um programa de TV: estamos em isolamento sim, em solidão, não! O que me levou fazer a seguinte indagação: estamos realmente apenas isolados ou estamos sós?


A solidão faz parte da condição humana, todos nós já vivemos ou viveremos o sentimento de solidão em algum momento de nossas vidas. Nos últimos meses fomos convidados a experienciar a realidade da pandemia deflagrada pela Covid-19 e em meio a tantas mudanças, que exigiram adaptações imediatas para preservar a vida, o afastamento social e a permanência das pessoas em suas casas limitou e transformou o convívio social. Esta reflexão mantém em mim a indagação, estamos isolados ou solitários?

O fenômeno solidão, como não poderia deixar de ser, é estudado no âmbito da Psicologia. O psicólogo Franz Victor Rúdio em seu livro Compreensão Humana e Ajuda ao Outro (1991), faz algumas considerações sobre o significado da solidão humana, entendendo-a no sentido amplo e no estrito. No sentido amplo ela equivale ao isolamento onde a pessoa se encontra separada de outras pessoas, nessa condição há o rompimento ou a diminuição do contato, com comprometimento do relacionamento pessoal e social. Rúdio (1991) explica que o essencial a ser observado no isolamento é a repercussão que causa na pessoa que o vivencia, pois ao se perceber isolada ela pode ser acometida do sentimento de estar só. No entanto, a percepção de estarmos isolados e nos sentirmos sós, despertando a necessidade de nos relacionarmos, varia de uma pessoa para outra.

Em alguns momentos da vida podemos buscar o isolamento para refletir, estudar, meditar, fazer tarefas, curtir alegrias, tristezas, para fugir de um ambiente ou de algo que consideramos aversivo ou hostil e ainda por motivos de doença, em “situações extraordinárias que se opõem à vontade do homem”, como no caso da pandemia pelo novo coronavírus. 

Durante esses dias de quarentena ouvi relatos de algumas pessoas acerca da necessidade do isolamento social e a urgência de todos permanecerem em casa como meio de preservação da vida. Algumas pessoas mostraram satisfação em ficar em casa, mergulharam em seus projetos de trabalho, otimizaram o tempo do isolamento e não sentiram solidão, outras sentiram-se sós mesmo estando em família e muitas vezes foram acometidas pela ansiedade, fruto da indefinição e do não saber a respeito do controle de contaminação da doença, do tratamento adequado e da criação de vacina, bem como os impactos econômicos e sociais decorridos, interrompendo projetos, frustrando expectativas, afetando a autoestima, colocando a pessoa num estado de desamparo e de solidão, que é referida por Rúdio como solidão no sentido estrito.

A solidão no sentido estrito não depende necessariamente do relacionamento com outras pessoas para mitigá-la, ela está relacionada à experiência interior de abandono; pode-se estar numa multidão e mesmo assim sentir-se só. Sendo assim, haverá situações em que nos encontraremos isolados sem estarmos solitários, ou em outros momentos que estaremos solitários sem estarmos isolados. Para Rúdio (1991), “o sentir-se sozinho do isolamento e o sentir-se só da solidão podem estar juntos e confundirem-se na mesma pessoa”, portanto, o sentimento de solidão está relacionado à subjetividade de quem o vivencia e do momento que vive a experiência de estar só. Este autor ainda esclarece que “o sentir-se sozinho do isolamento é um dado objetivo”, passível de ser percebido pelo outro e o “sentir-se sozinho da solidão é um estado da alma” que só pode ser percebido pelo outro quando expressado pela pessoa que se sente só. 

Portanto, a percepção de estar sozinho e o sentimento de abandono, levando ao sentimento de desamparo, bem como a necessidade de ter alguém próximo, são fatores que também desencadeiam o medo de ficar entregue a si mesmo e constituem os elementos que despertam o sentimento de solidão. Nesse sentido, Rúdio (1991) aponta três recursos para superar a solidão:
  • Aproveitamento útil do tempo ocioso; 
  • Ter ou descobrir um trabalho, um projeto, ou um ideal; 
  •  Buscar o encontro com outras pessoas. 
Para cuidarmos de nós mesmos nesses tempos de afastamento social e de isolamento, é imperioso que nos percebamos como seres integrais constituídos de corpo biológico, de uma psiquê, a nossa dimensão psicológica e de uma dimensão espiritual, onde encontraremos caminhos para superar a solidão e vivermos o melhor deste isolamento social.

Na próxima postagem escreverei a respeito dos recursos para superar a solidão apontados por Rúdio (1991) e a visão de ser humano integral (biológico, psicológico e espiritual).

RÚDIO, F. V. O Significado da Solidão Humana, In: Compreensão Humana e Ajuda ao Outro. Vozes: Petrópolis, 1991